Tempos Hipermodernos
SEMINÁRIO 1
Da modernidade à pós-modernidade: o abandono do universo disciplinar
As análises tradicionais acerca do mundo moderno, tanto as de direita como as de esquerda, em geral se baseiam numa crítica similar: a autonomia prometida pelas Luzes teve por consequência última uma alienação total do mundo humano, submetido ao peso terrível destes dois flagelos da modernidade, que são a técnica e o liberalismo comercial. A modernidade não apenas não conseguiu concretizar os ideais das Luzes que objetivava alcançar, mas também, em vez de avalizar um trabalho de real libertação, deu lugar a um empreendimento de verdadeira subjugação, burocrática e disciplinar, exercendo-se igualmente sobre os corpos e os espíritos. Foucault foi sem dúvida o pensador que mais insistiu neste aspecto corrompido da modernidade, que é a disciplina, cuja finalidade consiste mais em controlar os homens que em libertá-los. A disciplina é um conjunto de regras e técnicas específicas (vigilância hierárquica, sanção normatizadora, exame de avaliação) que têm por efeito produzir uma conduta normatizada e padronizada, adestrar os indivíduos e submetê-los a uma forma idêntica para otimizar-lhes as faculdades produtivas.
Ora, no mesmo instante em que Foucault ainda fazia das disciplinas o princípio de inteligibilidade do real, Lipovetsky anunciava, em A era do vazio (1983), que havíamos entrado numa sociedade pós-disciplinar,1 a qual ele denominava pós-modernidade; e, em O império do efêmero (1987), que a própria modernidade não era redutível tão somente ao esquema disciplinar se nos dávamos ao trabalho de encará-la pelo domínio do efêmero por excelência, a moda. Tratava-se então não só de romper com a leitura foucaultiana (mostrando que a moda, ao ter possibilitado que se escapasse do mundo da tradição e da celebração do presente social, desempenhara importante papel na aquisição da autonomia), mas também de distanciar-se da lógica das distinções sociais