Sim, sou poeta. Porque pra ser poeta não é preciso muito. Não é preciso que se leia muito, que se escreva muito, que seja um profundo conhecedor da gramática... aliás, não é preciso ao menos conhecê-la bem. Não é preciso que todos vejam suas obras, ou que alguém veja. Não é necessário ser um Fernando Pessoa ou Zé da Luz. Não é preciso ser fumante ativo e ter um pulmão com prazo de validade. Nem ler todos os livros, ou livro algum. Nem conhecer todos os grandes poetas. Nem todos os estilos ou estilo nenhum. Não é preciso ter vivido muitos anos. Não é preciso amar as flores, os luares, a pátria, Deus, a mulher. Pra ser poeta não é necessário ser o verme, o maldito, o louco, o viciado em ópio. Não é preciso morrer de tuberculose. Pra ser poeta não é preciso nem que se saiba ler ou escrever... Pra ser poeta, simplesmente perceba o dia, às vezes claro como um diamante. Ou a madrugada fria e escura, como o carvão cru. Sinta o tempo escorregando, escorregando... Sinta a vida fugindo interminavelmente da morte. Ouça todas as pessoas pulsando ao mesmo tempo. Perceba que as horas não passam, apenas nos carregam. Descubra que o céu é que está na lua e não o contrário. Pese a força da lágrima, mais densa que o metal mais sólido. Pra ser poeta é preciso sentir, crer, criar. O poeta sabe que, assim como um deus, cria. Do fogo, do pó, do breu, do nada. E isso o faz diferente do resto dos mortais. Roube ideias velhas e recicle, metamorfoseando-as impunemente. Escreva pra si, como te convir. Fuja covardemente do que todos rotulam de real e traia, apunhalando pelas costas, o teu conceito do que é ficção. Não minta nunca, só quando falar a verdade. Pra ser poeta, no fim das contas, é preciso na vida ter duas sinas: um grande amor e uma grande dor. Então, se der sorte, quando um desses sentimentos quebrar seus ossos e rasgar sua carne numa tempestade insuportavelmente dolorosa de alegria ou numa primavera iluminada de tristeza, aí sim, tu será poeta e teu sangue, teus passos e teus