Butler Problemas De Genero
Os debates feministas contemporâneos sobre os significados do conceito de gênero levam repetidamente a uma certa sensação de problema, como se sua indeterminação pudesse culminar finalmente num fracasso do feminismo. Mas “problema” talvez não precise ter uma valência tão negativa. No discurso vigente em minha infância, criar problema era precisamente o que não se devia fazer, pois isso traria problemas para nós. A rebeldia e sua repressão pareciam ser apreendidas nos mesmos termos, fenômeno que deu lugar a meu primeiro discernimento crítico da manha sutil do poder: a lei dominante ameaçava com problemas, ameaçava até nos colocar em apuros, para evitar que tivéssemos problemas.
Assim, concluí que problemas são inevitáveis e nossa incumbência é descobrir a melhor maneira de criá-los, a melhor maneira de tê-los. Com o passar do tempo, outras ambigüidades alcançaram o cenário crítico. Observei que os problemas algumas vezes exprimiam, de maneira eufemística, algum misterioso problema fundamental, geralmente relacionado ao pretenso mistério do feminino. Li Beauvoir, que explicava que ser mulher nos termos de uma cultura masculinista é ser uma fonte de mistério e de incognoscibilidade para os homens, o que pareceu confirmar-se de algum modo quando li Sartre, para quem todo desejo, problematicamente presumido como heterossexual e masculino, era definido como problema. Para esse sujeito masculino do desejo, o problema tornou-se escândalo com a intrusão repentina, a intervenção não antecipada, de um “objeto” feminino que retomava inexplicavelmente o olhar, revertia a mirada, e contestava o lugar e a autoridade da posição masculina. A dependência radical do sujeito masculino diante do “Outro” feminino [início da página 8] expôs repentinamente o caráter ilusório de sua autonomia. Contudo, essa
reviravolta dialética do poder não pôde reter minha atenção - embora outras o tenham feito, seguramente. O poder parecia ser mais do que uma permuta entre sujeitos ou uma