O mito da neutralidade do juiz
"Representa-se escolarmente a sentença como o produto de um puro jogo lógico, friamente realizado com base em conceitos abstratos, ligados por inexorável concatenação de premissas e conseqüências; mas, na realidade, no tabuleiro do juiz, as peças são homens vivos, que irradiam invisíveis forças magnéticas que encontram ressonâncias ou repulsões, ilógicas mas humanas, nos sentimentos do judicante. Como se pode considerar fiel uma fundamentação que não reproduza os meandros subterrâneos dessas correntes sentimentais, a cuja influência mágica nenhum juiz, mesmo o mais severo, consegue escapar?" ¹
Origem Romana
Como coloca o filósofo e professor Foucault, o legislador romano, juntamente com o sábio grego e o profeta judeu, "são sempre modelos que obsecam os que, hoje, têm como ocupação falar e escrever". De fato, o Direito Romano acaba tornando-se uma referência quase que obrigatória para as investigações dentro da assim chamada "ciência do direito". E por isso não podemos nos furtar ao examine desse modelo.
Pode-se dizer que o mito da neutralidade do juiz hodierno tem origens no direito romano, mais especificamente no iudex. Para se fazer essa afirmação, é preciso recordar a bipartição de funções entre o praetor e o iudex: enquanto o praetor (eleito pelo povo) dá ordens (ato volitivo), o iudex (escolhido pelas partes) declara direitos (ato intelectivo); enquanto o praetor exerce imperium, o iudex exerce jurisdição. Enquanto o sistema common law parece ter adaptado a figura do praetor, nos países que seguiram o sistema da Europa continental o juiz se assemelha mais à figura do iudex, a princípio inclusive desvinculado da execução (de competência de funcionários administrativos) e de qualquer medida mandamental.
Com a evolução do direito romano, houve a perda da imperatividade da jurisdição, que foi se tornando arbiral: o juiz somente recomenda que se cumpra a sentença. A absorção dos interditos pela actio se deu, no período justinianeu, pela