a sociedade contra o estado
A obra de Clastres dedica-se, com uma perspicácia e lucidez ímpares, a mostrar como não tem fundamento o argumento de que “essas sociedades estariam condenadas à economia de subsistência em razão da inferioridade tecnológica” (p. 204). Um “preconceito tenaz” leva muitos a insistir na “afirmação de que essa sociedade mobiliza permanentemente a totalidade de suas forças produtivas para fornecer a seus membros o mínimo necessário à subsistência”. A isto soma-se a ideia, também muito difundida, “de que o selvagem é um preguiçoso” (p. 205). Já se vê que há aí uma contradição entre estas duas “noções” de índio – pois das duas uma: ou os índios são uns “preguiçosos ociosos” ou são uns “trabalhadores infatigáveis e esfomeados”!
“Se em nossa linguagem popular diz-se ‘trabalhar como um negro’, na América do Sul, por outro lado, diz-se ‘vagabundo como um índio’. Então, das duas uma: ou o homem das sociedades primitivas vive em economia de subsistência e passa quase todo o seu tempo à procura de alimento, ou não vive em economia de subsistência e pode portanto se proporcionar lazeres prolongados fumando em sua rede. Isso chocou claramente os primeiros observadores europeus dos índios do Brasil. Grande era a sua reprovação ao constatarem que latagões cheios de saúde preferiam se empetecar, como mulheres, de pinturas e plumas em vez de regarem com suor as suas áreas cultivadas”.
É que, vocês se lembram, foi o Deus bíblico, aquele celebrado pelos monarcas dos Absolutismos europeus, quem supostamente condenou Adão à labuta dura, punição pelo pecado originário: os índios, que não conhecem dessas mitologias de culpa e expiação através de labutas suarentas e exaustivas, eram bem mais lúdicos e celebrativos (artistas, enfim!) do que workaholics. Preferem fazer apenas o trabalho necessário (3 ou 4 horas por dia, no máximo!), ao invés de “se matarem de trabalhar” em turnos extenuantes, e tudo em prol da “produção de excedentes” (isto é, lucros para os