Para além e para o capital
Flávio Ricardo Vassoler*
Que podemos dizer sobre o sistema de (re)produção econômica e social mais contraditório com o qual a humanidade já se deparou? Um pensador do século XIX, aos 18 anos, procurou avaliar os movimentos revolucionários do capitalismo:
− A burguesia, em seu reinado de apenas um século, gerou um poder de produção mais massivo e colossal do que todas as gerações anteriores reunidas. Submissão das forças da natureza ao homem, maquinário, aplicação da química à agricultura e à indústria, navegação a vapor, ferrovias, telegrafia elétrica, esvaziamento de continentes inteiros para o cultivo, canalização de rios, populações inteiras expulsas de seu habitat – que século, antes, pôde sequer sonhar que esse poder produtivo dormia no seio do trabalho social?
O autor do trecho acima, empolgado com o potencial de expansão humana fomentado pelo capitalismo, ficou conhecido como um dos maiores inimigos do capital. Estamos diante de um trecho do Manifesto Comunista, de Karl Marx (e Friedrich Engels). Ora, o jovem Marx estava diante da ascensão primordial daquilo que hoje se convencionou chamar de humanidade. Contraditoriamente, foi a expansão exploratória do capitalismo que fez com que o mundo se interligasse. Particularismos foram sendo rompidos – e padronizados em função do chicote do dominador. As grandes navegações chacinaram africanos e indígenas, ao mesmo tempo em que possibilitaram o contato com o outro além-mar. Júlio Verne se tornou extemporâneo quando a sua volta ao mundo em 80 dias passou a ser feita em algumas horas. O computador que utilizo para escrever este texto é a resultante de trabalhos espraiados por regiões do mundo que o generalíssimo Júlio César sequer podia imaginar.
− Amarás o teu próximo como a ti mesmo. (Marcos, 12, 31)
O capitalismo remove o sermão de Cristo da montanha e, ao menos como potência, irradia a irmandade para a estepe do mundo. O próximo já não precisa estar ao alcance do olhar.