Os extravios do indivíduo-sujeito
Tradução portuguesa de Selvino J. Assmann
Pierre Bourdieu, em artigo intitulado " A essência do neoliberalismo" (publicado em março de 1998 por Le Monde Diplomatique), descreve o neoliberalismo como programa de "destruição das estruturas coletivas" e de promoção de uma nova ordem fundada no culto do "indivíduo isolado, mas livre". Que o neoliberalismo pretenda a ruína das instâncias coletivas construídas por longo tempo (por exemplo, os sindicatos, as formas políticas e a própria cultura) é mais do que provável, e sob este aspecto a análise de Bourdieu é bastante penetrante. Mas parece necessário dar outro passo mais nesta direção: como pensar que, enquanto destrói as instâncias coletivas, o neoliberalismo possa deixar intacto o indivíduo-sujeito?
Na nossa época, a das democracias liberais, definitivamente tudo repousa sobre o sujeito, sobre a sua autonomia econômica, jurídica, política e simbólica. Mas neste mesmo período, ao lado das expressões mais enfatizadas da realização de si, encontram-se, me parece, as maiores dificuldades para sermos nós mesmos. As formas de destituição subjetiva que invadem as nossas sociedades revelam-se através de múltiplos sintomas: os colapsos psíquicos, o mal-estar no campo cultural, a multiplicação de atos de violência e a emergência de formas de exploração em vasta escala. Todos estes elementos são vetores de novas formas de alienação e desigualdade. Tais fenômenos estão fundamentalmente vinculados à transformação da condição do sujeito, que acontece sob os nossos olhos em nossas "democracias de mercado". "Ser sujeito", a saber, "sermos nós mesmos" e "estarmos juntos", apresenta-se segundo modalidades sensivelmente diferentes com relação àquelas típicas das gerações precedentes. A emergência deste novo sujeito corresponde a uma fratura na modernidade, que vários filósofos notaram, cada um a seu modo. O advento desta época "pós-moderna" caracteriza-se como fenômeno