Cotas raciais
O desafio enfrentado pelo Supremo Tribunal Federal é mais filosófico do que jurídico: se a segregação de direitos raciais pelo Estado viola o significado da igualdade humana e se isso está conforme o espírito e a letra da Constituição. Com o devido respeito a quem pensa diferente, essa segregação de direitos, apelidada de cotas raciais, encontra-se vedada pela consciência nacional, anunciada na cabeça do art.5º e expresso na letra do art. 19 da Carta: É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos municípios: III – criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si. São cláusulas imperativas, que asseguram a igualdade de direitos, base fundamental da dignidade humana.
Os defensores da segregação de direitos raciais desprezam a igualdade humana trazida pelo iluminismo – Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos, deferida por Immanuel Kant – e sustentam a tese da desigualdade natural de Aristóteles: Se os homens não são iguais, não devem receber coisas iguais.
Vivemos, enquanto colônia de Portugal, com leis que faziam discriminações pela cor, origem, religião e cultura. Porém, sob a influência iluminista do século 18, desde a primeira Constituição do Brasil, de 1824, a igualdade tem sido declarada e reiterada nas cartas. A de 1988 reafirma o primado da igualdade humana sem a hipótese da classificação racial para o exercício de direitos. É a expressão de nossa índole.
Em Raízes do Brasil (1936), Sérgio Buarque de Holanda saudava a mistura de genes de três povos fundadores da nação: o nativo, o europeu e o africano, edificando no Brasil um ser miscigenado com caráter de ser nacional. Era a negação do decantado encontro de raças e do ser racial. O ser nacional, dizia Sérgio, é mutável, conforme suas circunstâncias. O ser racial fica submetido a uma prisão. Em 1953, após a tragédia do nazismo, o sociólogo Oracy Nogueira, da USP, publicava tese de doutorado, um clássico da sociologia, Tanto Preto,