O querer e a liberdade
Philósophos 11 (2) : 215-246, ago./dez. 2006 215
HANNAH ARENDT: O QUERER
E A LIBERDADE
Carlos Antonio Mendes de Carvalho
Buenos Ayres (UnB) menayres@ig.com.br Resumo: o artigo propõe-se a descrever, segundo o crivo analítico de Hannah
Arendt, o percurso histórico-teórico que conduz ao aparecimento de uma das três faculdades do espírito: a faculdade da vontade ou querer.
Remontando inicialmente à Grécia antiga, logo empreende um movimento progressivo até a nossa contemporaneidade, segundo a contribuição de pensadores clássicos, medievais e modernos. Numa visão retrospectiva,
Arendt discorre com acuidade acerca do processo de percepção e assunção da faculdade da vontade, correlacionando-o com o advento e consolidação da concepção linear do tempo, de extração cristã, em contraposição à concepção cíclica do tempo, de extração helênica. Também discorre sobre o embate que se instala entre a faculdade do querer e o pensar, através da polêmica entre São Tomas de Aquino e Duns Scotus. Por fim, o artigo aproxima a faculdade da vontade à noção de liberdade, fundamento da condição humana.
Palavras-chave: a faculdade da vontade, a faculdade do pensar, a liberdade.
INTRODUÇÃO
Perscrutar com acuidade o pensamento de um autor qualquer já se constitui por si só uma tarefa ingente. Imaginem quando a tarefa que se nos impõe a “vontade” é esquadrinhar o pensamento de uma autora de grande estatura intelectual, cujo escopo é rastrear as faculdades do espírito, a saber, o PenCarlos
Antonio Mendes de Carvalho Buenos Ayres
216 Philósophos 11 (2) : 215-246, ago./dez. 2006 samento, a Vontade e o Julgar, tais como elas são suscitadas nos cérebros de uma plêiade de filósofos e teólogos notáveis.
A autora à qual nos referimos é Hannah Arendt, que, com uma erudição enciclopédica, procura dar conta da trajetória dessas faculdades do espírito, num empreendimento que infelizmente não chegou a seu termo devido ao seu