Apologia da relação
Professor do Departamento e Mestrado em História da Universidade Federal da Bahia e coordenador da Oficina Cinema-História.
Depois que os irmãos Lumière inventaram o cinema há um século, é possível que eles tenham pensado que este engenho viesse a se tornar objeto de especial atenção de historiadores e outros pesquisadores das ciências humanas. É até possível que tenham pensado que a produção de imagens exibidas numa tela viesse a ter a sua cronologia registrada pelo historiador, mas com muita dificuldade imaginariam que o cinema fosse adquirir uma importância tão grande para a história e para os historiadores a ponto destes cunharem a expressão cinema-história. Os historiadores, por sua vez, na época da fundação do cinema, estavam mergulhados na concepção positivista, atualizada na França por Langlois e Seignobos, para a qual "a história só se fazia com documentos". O documento, para a mentalidade de então, era sobretudo o escrito, ponto de partida e de chegada para a reconstrução do fato histórico. Eles foram incapazes de mudar suas concepções, não somente no que concerne à história, mas também à documentação.
É verdade que, desde as primeiras filmagens realizadas por Louis e Auguste Lumière, em 1895 — operários saindo de sua fábrica —, o cinema se casa indissoluvelmente com a história. No mesmo ano, na Exposição Etnográfica da África Ocidental, Felix Régnault exibiu, provavelmente, o primeiro documentário da história do cinema. No entanto, somente nos anos sessenta e setenta do nosso século é que começou a se afirmar uma nova concepção que admitia tratar a história, enquanto processo, utilizando o filme como documento. Na França, no campo da historiografia, este movimento foi liderado por Marc Ferro, não por acaso, historiador da Primeira Guerra Mundial e da Revolução Russa, no bojo de um movimento científico e cultural que trazia, em alguma medida, os reflexos do movimento cinematográfico da Nouvelle Vague,