A sociedade contra o estado - da tortura nas sociedades primitivas*
→ Roteiro:
1. A lei, a escrita;
2. O código, o corpo;
3. O corpo, o rito;
4. O rito, a tortura;
5. A tortura, a memória;
6. A memória, a lei.
1. A lei, a escrita:
“Supõe-se que ninguém deixe de pensar na dureza da lei. Dura lex sed lex. Diversos meios foram inventados, segundo as épocas e as sociedades, a fim de conservar sempre fresca a recordação dessa dureza. Pois, sendo dura, a lei é ao mesmo tempo escrita. A escrita existe em função da lei, a lei habita a escrita; e conhecer uma é não poder mais desconhecer a outra. Toda lei é portanto escrita, toda escrita é índice de lei”.
*Estudo inicialmente publicado em L’Homme, XIII, n. 3, 1973. [Pág. 195]
2. O código, o corpo:
“Que a lei encontre uma forma de se inscrever em espaços inesperados é o que nos pode ensinar esta ou aquela obra literária. O funcionário da A colônia penal¹ explica minuciosamente ao visitante o funcionamento da máquina de escrever a lei:
Nossa sentença não é severa. Grava-se simplesmente, com auxílio do rastelo, o parágrafo transgredido sobre a pele do culpado. Vai-se, por exemplo, escrever no corpo desse condenado – e o funcionário apontava para o homem: “Respeite o seu superior”.
E, ao visitante que se surpreende ao saber que o condenado desconhece a sentença que o atinge, o funcionário, cheio de bom senso, responde:
Seria inútil levá-la ao conhecimento dele, uma vez que vai aprendê-la no próprio corpo.
E, mais adiante:
Você viu que não é fácil ler esse texto com os olhos; pois bem, o homem a decodifica com suas feridas. É sem dúvida um enorme trabalho: são necessárias seis horas para terminar.
Kafka designa aqui o corpo como superfície de escrita, como superfície apta para receber o texto legível da lei. O delírio kafkiano aparece, no caso, mais como uma antecipação, e que a ficção literária anuncia a mais contemporânea das realidades”.
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