Tribunal do Júri
É verdade que o Tribunal do Júri, cláusula pétrea da Constituição, art. 5º, XXXVIII, foi muito importante na transição para o sistema acusatório e sua consolidação, mas isso não desautoriza a crítica, até porque a Constituição consagra o júri, mas com a “organização que lhe der a lei”. Ao remeter a disciplina de sua estrutura à lei ordinária, permite uma ampla e substancial reforma (para além da realizada em 2008, destaque-se), desde que assegurados o sigilo das votações, a plenitude de defesa, a soberania dos veredictos e a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida. Mas, para isso, é necessária uma visão desapaixonada, que permita cortar na carne e reinventar o júri.
Um dos primeiros argumentos invocados pelos defensores do júri é o de que se trata uma instituição “democrática”. Não iniciarei uma longuíssima discussão do que seja “democracia”, mas com certeza o fato de sete jurados, aleatoriamente escolhidos, participarem de um julgamento é uma leitura bastante reducionista do que seja democracia. A tal “participação popular” é apenas um elemento dentro da complexa concepção de democracia, que, por si só, não funda absolutamente nada em termos de conceito. Democracia é algo muito mais complexo para ser reduzido na sua dimensão meramente formal‑representativa. Noutra dimensão, aponta-se para a legitimidade dos jurados na medida em que são “eleitos”, como se isso fosse suficiente. Ora, o que legitima a atuação dos juízes não é o fato de serem “eleitos” entre seus pares (democracia formal), mas sim a posição de garantidores da eficácia do sistema de garantias da Constituição (democracia substancial).