Morte ou transfiguração do leitor
Una literatura difiere de otra ulterior o anterior, menos por el texto que por la manera de ser leída.
(Jorge Luis Borges, Nota sobre (hacia)
Bernard Shaw, in Otras inquisiciones, 1952)
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Em 1968, num ensaio que se tornou célebre,
Roland Barthes (1984) associava a onipotência do leitor e a morte do autor. Destronado de sua antiga soberania pela linguagem, ou melhor, pelas escrituras múltiplas, provindas de várias culturas e que se relacionam em diálogos, em paródias, em contestação, o autor cedia sua preeminência ao leitor, visto como este alguém que mantém reunidos num mesmo campo todos os traços que
1 Versão modificada de ensaio publicado em Mollier, J.Y.
(Dir.) Où va le livre? Paris: La Dispute, 2000. p.24757.
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Roger Chartier
constituem o escrito. A posição de leitura era assim compreendida como o espaço no qual o sentido plural, móbil, instável é reunido, em que o texto, seja ele qual for, adquire sua significação.
A essa constatação do nascimento do leitor sucederam os diagnósticos que lavraram seu atestado de óbito. Estes tomaram três formas principais. A primeira remete às transformações das práticas de leitura. Tomemos, por exemplo, a França. De um lado, a comparação dos dados estatísticos recolhidos pelas pesquisas sobre as práticas culturais dos franceses foi convincente, se não quanto ao recuo da porcentagem global dos leitores, pelo menos quanto à diminuição da proporção de grandes leitores em cada faixa etária e, particularmente, na dos 19 aos 25 anos (cf. Donnat & Cogneau, 1990;
Donnat, 1990; Dumontier et al., 1990; Singly,
1993). De outro, as pesquisas realizadas sobre as leituras dos estudantes permitiram chegar a várias constatações. Se a compra de livros continua a ser, para eles, a forma de acesso mais corrente ao livro, a freqüência às bibliotecas universitárias aumentou consideravelmente: mais de 70% entre 1984 e
1990. Entretanto, os estudantes