Mito Democracia Racial
(Fonte: A Integração do negro na Sociedade de Classes, pág. 191-211, vol. 1, Cia Editora Nacional, SP, ano 1965, Florestan Fernandes)
Florestan Fernandes
Introdução
Os resultados da análise histórico-sociológica, coligidos nos dois capítulos anteriores, estabelecem duas evidências essenciais para o presente estudo. Primeiro, que a ordem social competitiva e o crime de_classes sociais não se .implantaram de modo instantâneo e homogêneo na cidade de São Paulo. Apesar do forte impulso inicial, provocado pela comercialização do café, e da aceleração crescente da revolução econômica burguesa, graças a expansão urbana e ao crescimento industrial, aquele processo histórico-social revela extrema lentidão e notória descontinuidade. Embora ele seja indiscutivelmente acumulativo, a projeção no tempo de seu desenvolvimento estrutural sugere que cada fase decisiva de diferenciação progressiva e de avanço intercala-se entre fases alternativas, relativamente prolongadas de compromisso com o passado e, mesmo, de resistência seletiva a inovações sócio-culturais imperiosas. Em resumo, a cidade não se transformou em bloco e de um momento para outro. Não só ela se alterou gradativamente e com um ritmo desigual, conforme os aspectos do sistema econômico, social e cultural que se levem em consideração; mas, ainda, conservou em seu bojo reminiscências vivas do passado e estruturas arcaicas que reconstruíam o antigo regime em vários níveis da convivência humana. As esferas em que isso ocorreu de forma mais notável abrangem dois pólos extremos: os círculos sociais constituídos pelas elites das camadas dominantes; e os setores dependentes da plebe. Com o correr semelhantes resíduos do passado recente foram absorvidos e eliminados, desaparecendo aos poucos os contrastes mais ou menos aberrantes. Então, aparecem as “ilhas culturais”, que lembram na paisagem da metrópole a imensa variedade de heranças étnicas, de caráter rústico, que aqui se