Jornada do Heroi
É a este objetivo que deve servir o texto que se segue, com o qual tentarei expor às outras pessoas, de maneira ao menos inteligível, as coisas suprassensíveis cujo conhecimento me foi revelado há cerca de seis anos. Não posso contar de antemão com um conhecimento completo, uma vez que se trata em parte de coisas que de modo algum se deixam exprimir em linguagem humana, por ultrapassarem a capacidade de entendimento do homem. Nem mesmo posso afirmar que tudo para mim seja certeza inabalável; muitas coisas permanecem também para mim como conjectura e verossimilhança. Sou também apenas um homem e, portanto, preso aos limites do conhecimento humano; só não tenho dúvida de que cheguei infinitamente mais perto da verdade do que os outros homens, que não receberam as revelações divinas. (SCHREBER 1995, p.1).1
O fato de Daniel Paul Schreber (1842-1911) não ter sido paciente de Freud, mas ter deixado a sua obra – as “Memórias de um doente dos nervos” (1903) – criou a oportunidade para que psicanalistas e estudiosos de outras áreas tivessem acesso ao mesmo material do qual Freud partilhou. Isso tornou possível a discussão de sua análise e a construção de novas interpretações sobre o texto. O excerto de abertura deste capítulo expõe a característica de escolhido de Schreber. Para ele, Deus o havia chamado para gerar uma nova raça, como já comentado. Segundo seu próprio entendimento, ele era o redentor, nenhum homem ousara viver a experiência sobrenatural pela qual ele havia passado. Através do relato já estudado do paciente, tem-se a figura de um anti-herói, o qual em sua modernidade viveu uma jornada, tão cabível e digna de um enredo estudado por Joseph Campbell. De acordo com os preceitos da jornada definidos por Campbell (e vistos, aqui, no capítulo 06), Schreber sairia de seu mundo comum e passaria a ser o escolhido que mudou a história da psicanalise. Até agora, se pode perceber o quão intrinsicamente ligado o paciente