Dez Teses sobre a Utopia
1. O nome de Utopia deriva, como é sabido, do título da obra ( 1515) de Thomas More, chanceler de Henrique VIII, cujo subtítulo é esclarecedor: “ Discurso de um homem eminente, Rafael Hitlodeu, sobre a melhor forma de comunidade política “- DE OPTIMO REIPUBLICAE STATU HABUIT-“.
Originariamente foi o projecto de um Elogio da Sabedoria (Sophia), resposta e complemento da obra do seu amigo Erasmo : “Elogio da Loucura” ( Moria), 1509, dedicada a More com alguma ironia. Se pretender-se compreender devidamente esta obra, no seu estilo, ideias e propósitos, dever-se-á interligar as duas obras e os dois autores. É devedora do modelo clássico imortalizado por Platão, A República, mas nada há ali que seja repetição ou cópia; aliás, não se deve ignorar que More foi um excelente leitor de S. Agostinho, o autor de A Cidade de Deus ( obra que considero milenarista, mas que não me repugna de modo algum colocar entre as utopias de pendor profético e escatológico do Ocidente europeu). A Utopia , de T. More ( ou Morus) é claramente um objecto típico do Renascimento, tanto na estrutura, como na tese principal que atribui aos homens a possibilidade, e o dever, de transformar a vida e a sociedade, aqui, na Terra. A sua ironia e uma forte pitada de cepticismo - que chamaríamos realismo - ( Amaurota, a capital, Cidade do Nevoeiro, localiza-se na margem do rio Anidro, o rio sem água, o Estado é governado por um príncipe sem povo, o país, habitado por cidadãos sem cidade, os seus vizinhos são os homens sem país ) em lugar de contrariarem a convicção humanista de More, dão-lhe uma tonalidade realista, racionalista, bem representativa dos melhores espíritos renascentistas. Esta capacidade inventiva e estilística para, por meio da ironia, permitir que o autor e o leitor se distanciem e, simultâneamente, se interessem, como um desafio e uma refutação, que eu apelido de ingrediente superior da racionalidade, nem sempre perdurou em todas as utopias escritas