Decartes
O bom senso é a coisa mais bem partilhada do mundo, pois cada qual pensa estar tão bem provido dele que mesmo os que são mais difíceis de contentar em qualquer outra coisa não costumam desejar tê-lo mais do que o têm. E não é verossímil que todos se enganem a esse respeito (...). [A] diversidade das nossas opiniões não provém do fato de serem uns mais racionais que os outros, mas somente de conduzirmos nossos pensamentos por vias diversas e não considerarmos as mesmas coisas.
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Mas não temerei dizer que penso ter tido muita felicidade de me haver encontrado, desde a juventude, em certos caminhos, que me conduziram a considerações e máximas, de que formei um método, pelo qual me parece que eu tenha meio de aumentar gradualmente meu conhecimento, e de alçá-lo, pouco a pouco, ao mais alto ponto, a que a mediocridade de meu espírito e a curta duração da minha vida lhe permitam atingir.
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Desde a infância nutri-me nas letras, e, por me haver persuadido de que por meio delas se podia adquirir um conhecimento claro e seguro de tudo o que é útil à vida, sentia um imenso desejo de aprendê-las. Mas, logo que terminei todos esses anos de estudos (ao cabo dos quais se costuma ser recebido na classe dos doutos), mudei inteiramente de opinião. Achava-me com tantas dúvidas e indecisões, que me parecia não ter obtido outro proveito, ao procurar instruir-me, senão o de ter revelado cada vez mais a minha ignorância. E, no entanto, eu estudara numa das mais célebres escolas da Europa, onde pensava existir homens sábios, se é que existiam em algum lugar da Terra.
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Eis a razão pela qual, tão logo a idade me permitiu sair da sujeição de meus preceptores, abandonei inteiramente o estudo das letras. E, decidindo-me a não mais procurar outra ciência, alem daquela que pudesse existir em mim próprio, ou então no grande livro do mundo, passei o resto de minha mocidade viajando, recolhendo