condição humana contra natureza
Adriana Cavarero: Quando o tema é a natureza humana, é quase obrigatório acenar para Aristóteles. Na sua filosofia já surgem duas questões fundamentais. Uma diz respeito à própria plausibilidade de uma "natureza humana", entendida em termos objetivos e a-históricos (e, além disso, modelada sobre o homem como paradigma abstrato e universal, ou seja – conforme observa Hannah Arendt – fictício). Outra tem a ver com a necessidade de definir o humano com referência ao não-humano, que, em termos aristotélicos e por uma longa tradição, é o animal. Hoje, o pensamento radical sobre a ética e a política, e, de qualquer modo, o pensamento que julgo mais interessante, não só nega que exista uma natureza humana entendida universalmente, mas tende, sobretudo, a definir o humano mais com referência ao inumano do que aonão-humano. Não se trata apenas de um jogo de palavras. Assim, o não-humano diz respeito – pelo menos tradicionalmente – ao animal. O inumano, por sua vez, alude a uma negação do humano que é interna ao próprio humano. A barbárie de Auschwitz poderia servir de exemplo. Parece, aliás, que a época histórica inaugura uma reflexão sobre o humano que não pode deixar de se confrontar com o abismo da sua autonegação. É como se a natureza humana fosse uma questão que não tem a ver com o lugar da espécie humana na classificação do mundo dos seres vivos, mas sim com o modo como os humanos desvelam para si mesmos o paradoxo da sua humanidade.
Judith Butler: Sem dúvida, devemos estar atentos a uma questão desse tipo. Aliás, seja no inglês human nature, seja no italiano natura umana, esperamos tanto da palavra "natureza" que se torna quase impossível chegar ao atributo "humana". Lembro-me de ter lido, certa vez, um ensaio de A. O. Lovejoy, documentando, só na língua inglesa, mais de oito usos da palavra nature, e me parece que a palavra exista sob um eixo de conotação incapaz de ser reduzido a um só ponto de significado. Obviamente, tal