Cidade antiga
Tratar um tema histórico situado no âmbito da História das Mulheres possui inúmeros atrativos, e alguns problemas. De início, o universo feminino, por vezes tão ambíguo e indecifrável para nós, exerce fascínio exatamente por sua multiplicidade e riqueza. Como afirma Georges Duby, "E afinal, que sabemos nós delas?" (DUBY, s/d: 7). Quanto mais vivemos e convivemos com elas, mais nos apaixonamos, mais nos interrogamos e menos obtemos respostas. Isso nos oferece um mundo de possibilidades psico-afetivas; essa é uma estrada com um longo e sinuoso trajeto sem fim, mas que sempre adoramos percorrer e tentar decifrar. Mas o que é a escrita da história senão um longo e sinuoso caminho decifratório de múltiplas possibilidades? Escrever sobre a mulher, ou melhor, sobre uma mulher, é como narrar uma antiga lenda a uma criança: inventamos e reinventamos a História, sob o deleite do olhar infantil que nos acompanha em seu leito. De qualquer modo, falar sobre o tema do título acima será sempre, em última instância, um homem falando de uma mulher através de outro homem. Pois a mulher da antigüidade tardia é o olhar que o homem tinha dela (DUBY, s/d: 7). Salvos raríssimas exceções, elas ainda não possuíam "voz" própria: "Raras são as vozes de mulheres: talvez Perpétua relatando a sua prisão em Cartago, uma carta de Paula a Eustóquia, para pressionar Marcela a juntar-se-lhes na Terra Santa, Egéria contando as suas andanças e devoções, algumas sentenças das Madres do Deserto, mais tarde uma carta e ditos de Cesária, a Jovem" (ALEXANDRE, s/d: 514). Eles diziam o que elas eram, e o que é pior, o que deviam fazer (embora eu deva reconhecer que esse "império do falo" quase sempre é subjugado sem o saber). Nossa tentativa é a sutil e multissecular aproximação entre dois sexos, mas numa nuance distinta: um, o da personagem, outro, o do historiador. É possível? É a nossa tentativa. Nosso olhar, recheado de simbolismos, presenças, ausências e lembranças, é um em muitos, mais