Artigo memória Javé
Questões introdutórias para uma discussão acerca da história e da memória
Fabiano Junqueira de Freitas
Paula Lou Ane Matos Braga
O debate sobre a relação entre história[*1] e memória é uma das grandes discussões teóricas que têm se imposto a várias gerações de historiadores, pois estrutura os fundamentos e objetivos do fazer histórico. A memória não pode mais ser vista como um processo parcial e limitado de lembrar fatos passados, de valor acessório para as ciências humanas. Na verdade, ela se apóia na construção de referenciais de diferentes grupos sociais sobre o passado e o presente, respaldados nas tradições e ligados a mudanças culturais. A história não pode ter a pretensão de estabelecer os fatos como de fato ocorreram, e por isso coexistem, não obstante, várias leituras possíveis sobre a utilização da memória para a interpretação da história.
A partir de uma perspectiva cronológica, a história, que tem sua gênese na Antigüidade, tradicionalmente associada a Heródoto (séc. V a.C.), apresenta-se diante de uma relação com a realidade que não é outra senão a baseada no testemunho e no relato, aspecto que se manteve sempre presente no desenvolvimento da ciência histórica, em oposição ao modelo de observação e investigação preconizado pelas ciências da natureza. “Heródoto só quer falar daquilo que viu ou daquilo que ouviu falar” (GAGNEBIN, 1992, p. 10), e redigiu a sua história “para impedir que o que os homens fizeram no tempo se apague da memória e que as grandes e maravilhosas façanhas realizadas tanto pelos gregos como pelos bárbaros percam renome” (HERÓDOTO apud SELIGMANN-SILVA, 2003, p. 72).
No século XVIII, com o surgimento do pensamento iluminista, ganha corpo uma concepção da história que instaura a supremacia da razão, propaga a crença na ciência como única forma de conhecimento e conduz a verdades objetivas e absolutas, a partir da idéia de progresso. Com o estatuto de ciência que ora se