Aquele que retorna ao lar
Alfred Schutz∗
Os navegantes fenícios depositaram Odisseu adormecido na praia de Ítaca, sua terra natal, para que alcançasse o que buscou durante vinte anos de sofrimento indizível. Ele se mexeu e acordou na terra de seus pais, mas não conhecia sua localização. Ítaca mostrou-lhe uma face estranha; ele não reconheceu os caminhos alongando-se na distância, as baías quietas, os penhascos e precipícios. Pôs-se de pé e ficou a olhar o que era a sua própria terra, lamentando-se: “Ai de mim! E, agora, em que lugar da terra estou? O que eu faço aqui?” Não era só porque estava ausente há tanto tempo que ele não reconhecia seu próprio país; em parte, era porque a deusa Palas Atena tinha tornado denso o ar à sua volta para mantê-lo desconhecido até que “despertasse para as coisas”. Assim conta Homero o mais famoso caso de retorno ao lar, na literatura mundial.1 Para aquele que retorna, o lar mostra – pelo menos no começo – uma face não-familiar. Ele próprio acredita estar num país estranho, ser um estranho entre estranhos, até que a deusa dissipe o véu de névoa. Mas a atitude de quem retorna ao lar difere da do estranho. O último está por se ligar a um grupo que não é nem nunca foi o seu. Ele sabe que vai se encontrar num mundo não-familiar, diferentemente organizado daquele de onde vem, cheio de armadilhas e difícil de dominar.2 Aquele que retorna ao lar, no entanto, espera voltar para o ambiente que sempre conheceu, e – assim pensa – ainda conhece intimamente, e só tem que torná-lo como pressuposto para poder se movimentar dentro dele. O estranho que se aproxima tem de antecipar, de um modo mais ou menos vazio, o que vai encontrar; o que volta ao lar só tem de recorrer às memórias de seu passado. Assim ele sente; e, porque se sente assim, sofre o choque típico descrito por Homero.
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In: Fenomenologia e Relações Sociais – Textos escolhidos de Alfred Schutz. Organização e introdução de Helmut R. Wagner. Parte IV, “A Província da