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O EXÍLIO DO SAGRADO As coisas do mundo humano são diferentes daquelas que constituem a natureza. Ainda que o ser humano nunca tivesse existido, a natureza estaria aí. Com a cultura as coisas são diferentes: tudo a ela relacionado surgiu através da atividade dos homens. Quando os homens desaparecerem, estas coisas desaparecerão também. Nós esquecemos que as coisas culturais foram inventadas e, por esta razão, parecem, aos nossos olhos, naturais. As crianças nascem em um mundo já pronto. Os mais velhos, interessados em proteger a frágil realidade produzida por eles mesmos, tratam de esconder dos mais novos a qualidade artificial das coisas. Os símbolos, de tanto serem repetidos e compartilhados, de tanto serem usados, com sucesso, à guisa de receitas, foram retificados por nós, passamos a tratá-los como se fossem coisas. Eles deixam de ser hipóteses da imaginação e passam a ser tratados como manifestações da realidade. Foi na Idade Média que os símbolos do sagrado adquiriram maior densidade. Para os medievais não havia fantasia alguma. Seu mundo era sólido, constituído por fatos, comprovados por inúmeras evidências e além de quaisquer dúvidas. Sua atitude para com o seu mundo era idêntica à nossa atitude para com o nosso. Como eles, somos incapazes de reconhecer o que de fantasioso existe naquilo que julgamos ser terreno sólido, terra firme. Aqueles que duvidam ou propõem novos sistemas de ideias, ou são loucos ou são ignorantes, ou são iconoclastas irreverentes. Aconteceu, entretanto, que aos poucos, mas de forma constante, progressiva, crescente, os homens começaram a fazer coisas não previstas no receituário religioso. O universo religioso era encantado. Um mundo encantado abriga, no seu seio, poderes e possibilidades que escapam às nossas capacidades de explicar, manipular, prever. Trata-se, portanto, de algo que nem pode ser completamente compreendido pelo poder da razão, e nem completamente racionalizado e organizado