O Poder Constituinte do Povo no Brasil
UM ROTEIRO DE PESQUISA SOBRE A CRISE
CONSTITUINTE
Gilberto Bercovici
Breves considerações teóricas sobre o poder constituinte do povo
O presente texto não pretende ser mais do que um breve roteiro de pesquisa sobre a questão do poder constituinte no Brasil. Esta pesquisa se faz necessária tendo em vista, passados 25 anos da Assembleia Nacional Constituinte de 1987-1988, a permanência do tratamento acrítico, formalista e repetitivo da doutrina jurídica brasileira recente concernente a este tema, central, em minha opinião, para a compreensão das relações complexas entre Estado, constituição, soberania, democracia e política1.
A doutrina jurídica tradicional entende que o povo e o poder constituinte não têm lugar no direito público, por não serem “categorias jurídicas”. O que se esquece com esta visão é o simples fato de que as questões constitucionais essenciais são políticas. Tentar separar o conceito de consti-
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Uma pesquisa mais ampla e aprofundada sobre as relações entre Estado, soberania, constituição, política, poder constituinte, democracia e Estado de exceção foi publicada em Bercovici (2008).
Lua Nova, São Paulo, 88: 305-325, 2013
O poder constituinte do povo no Brasil: um roteiro de pesquisa sobre a crise constituinte
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tuição do conceito de poder constituinte significa excluir a origem popular da validade da constituição e esta validade é uma questão política, não exclusivamente jurídica. A doutrina do poder constituinte é, antes de tudo, um discurso sobre o poder constituinte, exercendo o papel de mito fundador e legitimador da ordem constitucional. Para utilizar a expressão de Ernst-Wolfgang Böckenförde, o poder constituinte é um “conceito limite” do direito constitucional. Não se trata da norma fundamental hipotética de Hans Kelsen ou de direito natural, mas de uma força política real que fundamenta a normatividade da constituição, legitimando-a
(Böckenförde, 1992a, pp. 92-4; Isensee, 1992, pp. 159-62;