O mendigo ou o cachorro morto
IMPERADOR – No momento em que vou celebrar meu triunfo sobre o meu mais importante inimigo, quando o país mistura meu nome com o fumo negro do incenso, há um mendigo sentado diante da minha porta, fedendo a miséria. Mas, com tantos acontecimentos importantes, pode-se conversar sobre o Nada. Os soldados retrocedem. Homem, você sabe por que os sinos dobram?
MENDIGO – Sim. Meu cachorro morreu.
IMPERADOR – Isso foi uma insolência?
MENDIGO – Não. Foi por velhice. Mas agüentou bem. Pensava eu: por que as suas patas tremem? Ele tinha apoiado as da frente no meu peito, e ficamos deitados assim a noite toda, mesmo quando começou a esfriar. Mas, de madrugada, ele já estava morto e eu o afastei de mim. Agora não posso voltar para casa, porque ele está apodrecendo, cheirando mal.
IMPERADOR – Por que você não o enterra?
MENDIGO – Não é da sua conta. Agora você tem o peito oco como um buraco de esgoto, pois fez uma pergunta tola. Todos fazem perguntas tolas. Perguntar já é bobagem!
IMPERADOR – Mas mesmo assim vou continuar perguntando: quem cuida de você? Porque se não há ninguém que o cuide, vai ter que ir embora, aqui não se admite carne podre nem gritos.
MENDIGO – Estou gritando?
IMPERADOR – Agora é você quem está perguntando, embora com um certo sarcasmo que não entendo.
MENDIGO – Sim, isso eu não sei, pois se trata de mim.
IMPERADOR – Não faço caso de você. Mas quem cuida de você?
MENDIGO – De vez em quando, um menino, que um anjo fez na sua mãe enquanto ela colhia batatas.
IMPERADOR – Você não tem olhos?
MENDIGO – Foram embora.
IMPERADOR – Como o exército do Imperador Ta Li, que as areias do deserto engoliram?
MENDIGO – Ele atravessava o deserto e seus homens falaram: