O mal estar na civilização
Por que nossos parentes, os animais, não apresentam uma luta cultural desse tipo? Não sabemos. Provavelmente alguns deles — as abelhas, as formigas, as térmitas — batalharam durante milhares de anos antes de chegarem às instituições estatais, à distribuição de funções e às restrições ao indivíduo pelas quais hoje os admiramos. Constitui um sinal de nossa condição atual o fato de sabermos, por nossos próprios sentimentos, que não nos sentiríamos felizes em quaisquer desses Estados animais ou em qualquer dos papéis neles atribuídos ao indivíduo. No caso das outras espécies animais, pode ser que um equilíbrio temporário tenha sido alcançado entre as influências de seu meio ambiente e os instintos mutuamente conflitantes dentro delas, havendo ocorrido assim uma cessação de desenvolvimento. Pode ser que no homem primitivo um novo acréscimo de libido tenha provocado um surto renovado de atividade por parte do instinto destrutivo. Temos aqui muitas questões para as quais ainda não existe resposta.
Outra questão nos interessa mais de perto. Quais os meios que a civilização utiliza para inibir a agressividade que se lhe opõe, torná-la inócua ou, talvez, livrar-se dela? Já nos familiarizamos com alguns desses métodos, mas ainda não com aquele que parece ser o mais importante. Podemos estudá-lo na história do desenvolvimento do indivíduo. O que acontece neste para tornar inofensivo seu desejo de agressão? Algo notável, que jamais teríamos adivinhado e que, não obstante, é bastante óbvio. Sua agressividade é introjetada, internalizada; ela é, na realidade, enviada de volta para o lugar de onde proveio, isto é, dirigida no sentido de seu próprio ego. Aí, é assumida por uma parte do ego, que se coloca contra o resto do ego, como superego, e que então, sob a forma de ‘consciência’, está pronta para pôr em ação contra o ego a mesma agressividade rude que o ego teria gostado de satisfazer sobre outros indivíduos, a ele estranhos. A tensão entre o severo superego e o ego,