O homem dos ratos
Fernando Hartmann
Começarei propondo uma diferença de nominação: antes de chamarmos de real da língua proponho chamarmos de real na língua. Essa proposição se deve ao entendimento que somente existe um real, ou seja, com relação ao real somente podemos nos referir a repetição quando este é tocado pelo significante, pela linaguagem. Não podemos considerar a existência de dois reais ou um real que se repetisse. Então o real não é uma propriedade. O real, ao menos na teoria psicanalítica lacaniana, é o que escapa a simbolização. Lacan (Sem.20, Mais ainda) diria que o real se refere ao impossível, o que não cessa de não se escrever. Para o humano, enquanto sujeito efeito da linguagem, o real diz respeito a perda inerente a entrada do humano na linguagem, ou seja, o acesso aos objetos do mundo somente é possível através da mediação realizada pela linguagem. As palavras, ao tentarem representar o real, ao mesmo tempo, afastam o acesso a este real, por exemplo: o objeto maça, no registro do real, está perdido para o humano, em contrapartida teremos a maça de Eva, a maça do pecado, a maça do amor, a torta de maça, a mãe, ou seja, o humano ao comer maça come também e anteriormente palavras. Maça, pelo efeito da linguagem, jamais será somente maça como um objeto do “real”. Porém esta lógica nos coloca um problema: se diante do real demandamos que ele seja representável, conforme nos aponta Milner em “O amor da língua”, e se somente existe um real, o que utilizaremos para representar este real... Necessariamente teremos que representar o real com o real ou, ao menos, com pedaços, recortes deste real. A partir deste questionamento se impõe o real na língua.
O que é o real? Para o real Lacan nos indica o registro do impossível, ou ainda, o que não cessa de não se escrever. Em Freud acho que podemos partir do unheimlinch do estranho familiar conforme traduziu Michel Pêcheux para o francês para bordearmos este encontro do real.