A nova lei seca e o crime de perigo abstrato
A lei presume que ao se embriagar e tomar a direção do veículo o motorista põe em perigo, ainda que em abstrato, a vida e a incolumidade física de outrem, e tanto basta para a sua inculpação.
Segundo as estatísticas, o trânsito mata, no Brasil, cerca de 46.000 pessoas por ano. Não há cálculo confiável do número de mutilados. São cerca de 126 cadáveres por dia, quase seis por hora. A maioria dessas mortes é fruto da imprudência dos motoristas; do excesso de velocidade; da má conservação das estradas e dos veículos; das ultrapassagens perigosas e da direção comprometida pelo uso de álcool e de outras substâncias psicoativas que alteram o controle motor, o raciocínio e os reflexos de quem está ao volante.
Dentre as modificações trazidas pela recente Lei nº 12.760, de 20 de dezembro de 2012 — conhecida como a “nova lei seca”—, que alterou a Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997, que institui o Código de Trânsito Brasileiro, a mais importante talvez seja a possibilidade de se presumir que o motorista que dirige embriagado por álcool ou qualquer outra substância psicoativa que cause dependência tem a sua capacidade psicomotora comprometida e pratica, portanto, “crime de perigo abstrato”.
Crimes de perigo abstrato são todas aquelas condutas que não exigem lesão concreta a um bem jurídico tutelado nem expõem esse bem a risco real e imediato. Para a configuração desse crime basta que o comportamento do agente seja suficiente para provocar, em tese, o resultado danoso que a ordem jurídica proíbe. É o caso, por exemplo, do porte de arma municiada. O STF já decidiu que o porte de arma desmuniciada, ou apenas da munição, não configura crime de perigo abstrato, mas o porte da arma municiada, sim, ainda que o agente não tenha intenção de ferir ou matar quem quer que seja. Há perigo real de que o faça num momento de estresse, falso perigo ou tensão, num acesso de cólera ou de descontrole emocional. Para a tipificação do crime