A identidade
Pedro R. Bodê de Moraes
Pra segurar cadeia tem que ser doutor em cadeia.
A frase que figura como epígrafe deste artigo foi uma das mais expressivas que ouvi quando iniciei meu trabalho de campo1 entre agentes penitenciários. Pronunciada com sarcasmo autodefensivo por um agente, surgiu em uma discussão sobre o quê, quem e como se segura a cadeia, ou seja, como ela mantém seu peculiar equilíbrio, não “embalando” nem “virando”. Em linguagem comum, como se impede ou se diminuem as chances de um motim eclodir numa prisão. O agente penitenciário sugeria que os “doutores”– diretores das unidades prisionais, advogados e outros operadores do sistema penal – não conseguiriam, sozinhos, evitar rebeliões e que, na verdade (isso concluí a partir do contexto que a frase foi emitida e ao relacioná-la a outros elementos que observei), eles, os agentes penitenciários, eram efetivamente os “doutores em cadeia”. Portanto, a estabilidade da prisão só seria mantida à medida que lhes fosse dado este reconhecimento. Certamente tal percepção é, em muitos aspectos, verdadeira. O que os agentes penitenciários fazem ou deixam de fazer tem grande importância na dinâmica da prisão. No entanto, o equilíbrio prisional resulta de complexa interação (cf. Weber, 1984) entre diversos atores do sistema penal. Alcança também o âmbito das relações familiares dos detentos (cf. Elias, 1980) e uma série de compromissos e obrigações entre presos e egressos, especialmente quando são organizações que atuam
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1. Sobre o processo de entrevistas cf. Bodê de Moraes, 2005.
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A identidade e o papel de agentes penitenciários, pp. 131-147
2. Como, no caso brasileiro, o
Estado de bem-estar foi apenas precariamente instaurado e a criminalização da marginalidade (cf. Coelho, 1987) tem sido o padrão na relação entre o Estado e os pobres, teríamos um cenário mais grave, se comparado ao caso