A fetichização do discurso e o discurso da fetichização
A DOGMÁTICA JURÍDICA, O DISCURSO JURÍDICO
E A INTERPRETAÇÃO DA LEI
STRECK, LENIO LUIZ
1. A fetichização do discurso jurídico e os obstáculos à realização dos direitos: uma censura significativa É evidente que o Direito passa por uma crise de paradigmas, essa se dá com a contestação do paradigma vigente a partir do questionamento de sua efetividade. E o que seriam os paradigmas? Eles são espécies de modelos e pressupostos das ciências para orientar a investigação científica e a resolução de problemas, ele que caracteriza o cientista como pertencente a determinada comunidade científica.1 Nesse contexto, é possível perceber uma crise da dogmática jurídica positivista, pois o direito brasileiro não representa a realidade social do país, afastando-o dos casos concretos. A exacerbada preocupação com a técnica e com a rigidez normativa leva à fetichização do discurso, que é a desconsideração das condições de produção da lei, ou seja, do contexto em que elas foram redigidas. “Não façam das leis, a começar pela Constituição, bíblias sagradas reduzidas à escrita com desprezo da escritura. Batam nas palavras dos códigos, façam-nas falar dos problemas do povo brasileiro.”2 Essa crise de representação, destacada por Canotilho, quando há a extrema valorização da dogmática positivista em detrimento da resolução dos problemas sociais, é um entrave para as transformações na sociedade. É válido ressaltar, também, que a crise de representação é agravada pelo distanciamento entre a população em geral e o direito, principalmente por causa de sua linguagem extremamente técnica e inacessível aos leigos. Isso porque existem juristas que acreditam que o direito perderia sua cientificidade ao utilizar uma linguagem mais simples. Essa linguagem dificulta, muitas vezes, o entendimento do cidadão comum dos seus próprios direitos e obrigações, atentando ao fato de que o país possui cerca de 14 milhões de analfabetos,3 os quais são