A democracia como instrumento
- O conservadorismo brasileiro nos levou uma concepção de democracia e uma ideia de revolução. O problema é que nos legou uma concepção autoritária de democracia.
- Existem, por certo, na tradição brasileira, verdadeiros democratas. E também verdadeiros autoritários de que são exemplos os fascistas, que nos anos 30 e 40 se expressaram através do movimento integralista.
-Esta mistura complexa de ambiguidade e de cinismo nos levou um conceito de democracia segundo o qual esta é apenas um instrumento de poder. Um instrumento de poder entre outros, apenas um meio, urna espécie de ferramenta para se atingir o poder.
- Também faz parte da tradição jogar a responsabilidade dessas ideias nas costas da esquerda. E não faltam, evidentemente, os que, na esquerda brasileira, estejam dispostos a aceitar esta pecha como um titulo de gloria. É mais um equivoco. A concepção da democracia como instrumento vem em linha direta, do privatismo conservador, soi disant liberal, das oligarquias da Republica Velha.
-Em vez de invenção da esquerda, a ideia da democracia como instrumento aparece na historia brasileira como uma espécie de armadilha conservadora.
-A esquerda sempre lutou, bem ou mal, contra a tradição mas, durante muito tempo, teve de faze-lo com as armas que a tradição tornava disponíveis. Que a hegemonia de uma classe na politica se não a sua capacidade de impor o seu discurso - ou pelo menos a sua logica - ate mesmo aos seus adversários.
-A ideia da democracia como instrumento tem sido uma pedra de toque da hegemonia conservadora na hist6ria politica deste país desde a República Velha.
-Mas se a esquerda deixou-se seduzir foi também porque aprendeu, em leituras mal digeridas de Marx, noções que trabalhavam no mesmo sentido. Entre estas, anoto ideia da democracia como a forma, por excelência, da dominação burguesa.
-As democracias europeias da época de Marx - ou seja, de meados do século XIX - eram burguesas em seus próprios fundamentos.