A concepção medieval de homem
A antropologia medieval vai buscar seus temas e sua inspiração em três fontes principais que irão constituir as auctoritates por excelência na vida intelectual da Idade Média: a Sagrada Escritura ou sacra pagina, autoridade maior e incontestada; os Padres da Igreja dentre os quais se destaca a figura do Sto. Agostino, referência privilegiada após a Escritura; os filósofos e escritores gregos e latinos, dentre os quais Aristóteles se afirmará, a partir do século XIII, como o Philosophus simplesmente ou, como se exprimirá Dante, il maestro di color Che sanno (Inf. IV, 131). Por outro lado, não obstante o privilégio concedido ás auttoritates no método medieval do saber, a concepção do homem evolui em estreita relação com o próprio desenvolvimento da civilização. Ora, em que pesem estereótipos historiográficos largamente difundidos, a civilização medieval conheceu uma evolução complexa e passou por profundas crises, nela já se delineando muitas das linhas que se prolongarão nos tempos modernos. Assim, a concepção do homem apresenta na Idade Média uma surpreendente riqueza que estudos recentes têm procurado explorar[1] No campo filosófico-teológico de Sto. Agostinho é predominante até o século XII. Somada à influência dos escritos dionisianos, que se torna também poderosa a partir do século IX, ela imprime às primeiras expressões da antropologia medieval traços neoplatônicos característicos que se integrarão naturalmente á estrutura do pensamento simbólico dominante até o século XII. O aritotelismo se imporá a partir do século XIII, mas a autoridades de Agostinho continua elevada acima de todas as outras e só inferior à da sacra pagina. Assim, a antropologia medieval, em seu apogeu, mostrará uma tensão permanente entre aristotelismo e agostinismo, cujo equilíbrio é assegurado pela tradição bíblico-cristã. A originalidade desse equilíbrio manifesta-se nos traços fundamentais da antropologia cristão-medieval, na qual assistimos a uma