Vicios de linguagem - artigo
Ele chegou furtivo, espalhou-se feito gripe e virou uma compulsão nacional. Em menos de uma década, o gerundismo cavou pelas bordas seu lugar sob os holofotes do país. É o Paulo Coelho da linguagem cotidiana. Nas filas de banco, em reuniões de empresas, ao telefone, nas conversas formais, em e-mails e até nas salas de aula, há sempre alguém que "vai estar passando" o nosso recado, "vai estar analisando" nosso pedido ou "vai poder estar procurando" a chave do carro. É fenômeno democrático, sem distinção de classe, profissão, sexo ou idade. O gerundismo já foi alvo de tantos e calorosos debates, que mesmo a polêmica em torno dele pode estar virando uma espécie de esporte de horas vagas, quase uma comichão a que poucos parecem indiferentes. Embora não haja explicação única para a origem do fenômeno, sua popularidade chama a atenção não só de especialistas da língua, mas de empresários e ouvidos sensíveis a saraivadas repetidas do mesmo vício.
Principalmente porque, por trás da aparente certeza sintática, podemos estar diante de um fenômeno com implicações semânticas e pragmáticas - seu sentido, alargado ao dia-a-dia, pode dizer algo sobre a própria cultura brasileira, nem sempre lembrada quando se discute o assunto.
O uso repetitivo do gerúndio tem nome próprio: endorréia. Sim, a palavra é parente da diarréia, para alegria dos humoristas. Mas a vítima do gerundismo não é o gerúndio isolado, in natura, é a estrutura "vou estar + gerúndio", uma perífrase (locução com duas ou três palavras).
Em si, a locução "vou estar + gerúndio" é legítima quando comunica a idéia de uma ação que ocorre no momento de outra. A sentença "vou estar dormindo na hora da novela" é adequada ao sistema da língua, assim como quando há verbos que indiquem ação ou processo duradouros e contínuos: "amanhã vai estar chovendo" ou "amanhã vou estar trabalhando o dia todo", por exemplo.
Aquilo que se deu o nome de gerundismo se dá quando nós não queremos