Tres ensaios sobre a sexualidade
As aberrações sexuais
O fato da existência de necessidades sexuais no homem e no animal expressa-se na biologia pelo pressuposto de uma “pulsão sexual”. Segue-se nisso a analogia com a pulsão de nutrição: a fome. Falta à linguagem vulgar [no caso da pulsão sexual] uma designação equivalente à palavra “fome”; a ciência vale-se, para isso, de “libido”.
A opinião popular faz para si representações bem definidas da natureza e das características dessa pulsão sexual. Ela estaria ausente na infância, far-se-ia sentir na época e em conexão com o processo de maturação da puberdade, seria exteriorizada nas manifestações de atração irresistível que um sexo exerce sobre o outro, e seu objetivo seria a união sexual, ou pelo menos os atos que levassem nessa direção. Mas temos plena razão para ver nesses dados uma imagem muito infiel da realidade; olhando-os mais de perto, constata-se que estão repletos de erros, imprecisões e conclusões apressadas.
Introduzamos aqui dois termos: chamemos de objeto sexual a pessoa de quem provém a atração sexual, e de alvo sexual a ação para a qual a pulsão impele. Assim fazendo, a observação cientificamente esquadrinhada mostrará um grande número de desvios em ambos, o objeto sexual e o alvo sexual, e a relação destes com a suposta norma exige uma investigação minuciosa.
(1) DESVIOS COM RESPElTO AO OBJETO SEXUAL
A teoria popular sobre a pulsão sexual tem seu mais belo equivalente na fábula poética da divisão do ser humano em duas metades — homem e mulher — que aspiram a unir-se de novo no amor. Por isso causa grande surpresa tomar conhecimento de que há homens cujo objeto sexual não é a mulher, mas o homem, e mulheres para quem não o homem, e sim a mulher, representa o objeto sexual. Diz-se dessas pessoas que são “de sexo contrário”, ou melhor, “invertidas”, e chama-se o fato de inversão. O número de tais pessoas é bastante considerável, embora haja dificuldades em apurá-lo