Terapia e vida comum
smith, p. j.
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Terapia e vida comum
PLÍNIO JUNQUEIRA SMITH
(USJT, CNPq). E-mail: psmith@usjt.br
“Um verdadeiro cético será desconfiado de suas dúvidas filosóficas, bem como de sua convicção filosófica.” hume, A Treatise of Human Nature, p. 273.
1. Nada mais útil do que traçar uma distinção historicamente inadequada. Sua utilidade reside na nítida separação de tendências diferentes que uma outra análise poderia não dissociar. Distingamos, pois, sem mais demora, entre o ceticismo terapêutico e o ceticismo fenomenista, mais ou menos como Hume distinguia entre o ceticismo excessivo e o ceticismo mitigado. Em que consiste a diferença? Em linhas gerais, o cético terapêutico preocupa-se em curar o dogmático de seu dogmatismo, em gesto bastante altruísta, pois resulta de sua filantropia. Tendo alcançado a tranquilidade, ele deseja que outros homens, iguais a ele, alcancem esse estado da alma tão agradável. Nesse sentido, oferece uma série de técnicas e de argumentos que, se devidamente examinados, conduzirão, por meio da suspensão, o seu interlocutor ao mesmo reconfortante estado. O cético terapêutico é, portanto, aquele que ressalta o fim meramente crítico ou negativo da atividade filosófica: a sua tarefa seria a de combater e destruir as filosofias dogmáticas. Rejeitar toda construção metafísica, desfazer as ilusões das teses sobre a suposta realidade do mundo, afastar os equívocos gerados pela reflexão especulativa, eis o que se proporia o cético terapêutico.
Este artigo foi originalmente publicado na revista Discurso, Departamento de Filosofia da USP, São
Paulo: Discurso Editorial, 1995, p. 69-95; e em Smith, P. J., Do começo da filosofia e outros ensaios, São
Paulo: Discurso Editorial, 2005.
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O cético fenomenista, por sua vez, procura descrever nossa vida comum sem jamais ultrapassar os limites da experiência, isto é, sem jamais incorrer no erro de
dogmatizar.