revista usp ciencia social e desigualdade
Ciência social e política
“racial”
no Brasil
PETER FRY é professor titular de Antropologia do Instituto de Filosofia e
Ciências Sociais da UFRJ.
“Assim, se é verdade, como diz Myrdal, que no dia em que os sindicatos trabalhistas nos
Estados Unidos, em nome da solidariedade de classes, liquidarem em suas fileiras a linha de cor, isto produzirá um estrondo que será ouvido no mundo inteiro e determinará rumos surpreendentes à civilização norte-americana, também aqui se pode dizer, em face da opinião corrente no mundo a respeito da situação racial brasileira, que estrondo não menor se produziria no Brasil se algum dia as grandes massas de cor deste País dessem ouvidos aos chamamentos dessa ideologia de raça e enveredassem pelos caminhos sem saída que ela lhes aponta” (Pinto, 1998 [1953]).
H
INTRODUÇÃO
á um largo consenso de que a política “racial” do Estado brasileiro tem
mudado radicalmente nos últimos dez anos. De uma política de laisser-faire mantida durante o primeiro século seguindo a promulgação da República, sustentada no princípio da igualdade de todos perante o Estado, e a criminalização do racismo, surgem políticas de ação afirmativa, em tese desde 1995 e na prática desde 2001: contratações preferenciais em alguns ministérios, cotas “raciais” em algumas universidades e, mais recentemente, o esboço de políticas de saúde específicas para a “população negra”. Neste ensaio examino a relação entre a sociologia quantitativa sobre as relações raciais no Brasil e esta mudança. Em particular quero traçar o processo através do qual a interpretação das desigualdades raciais de Carlos Alfredo Hasenbalg, no seu livro Discriminação e Desigualdades
Raciais no Brasil (Hasenbalg, 1979), tornou-se hegemônica tanto para o Movimento Negro como para o governo brasileiro. Neste breve ensaio pretendo avaliar o significado dos argumentos e da metodologia desse livro na época da sua publicação em 1979, quando teve pouco impacto além do incipiente Movimento Negro e entre