Princípios e regras: mitos e equívocos acerca de uma distinção
Virgílio Afonso da Silva*
O conceito de norma jurídica e a discussão sobre suas espécies são temas de infindáveis controvérsias e os juristas parecem ter uma grande dificuldade para chegar ao menos perto de algum denominador comum acerca do objeto de sua disciplina. Essa dificuldade é o pano de fundo deste artigo, pois pretendo discutir uma distinção entre duas espécies de normas: os princípios e as regras. De início, saliento que não tenho qualquer pretensão de, ao fim deste trabalho, oferecer soluções pretensamente definitivas sobre [608] o tema. Se há diferentes formas coerentes de se proceder a essa distinção, não há por que querer lutar contra isso. O objetivo principal deste artigo é bem menos pretensioso. Tendo como ponto de partida o fato de que essa distinção vem sendo cada vez mais levada a cabo sobre uma base teórica determinada, que é aquela difundida por Robert Alexy em sua teoria dos direitos fundamentais, pretendo discutir alguns pontos polêmicos, algumas impropriedades metodológicas, enfim, alguns equívocos acerca dessa base teórica e suas conseqüências.
Uma outra delimitação do tema faz-se necessária: neste artigo, vou me concentrar precipuamente na recepção da distinção entre princípios e regras no direito brasileiro. Isso não exclui, obviamente, referências a obras estrangeiras, mas essas serão limitadas à medida do necessário para a discussão.
A estrutura do presente trabalho é bastante simples. Ele é dividido em duas grandes partes principais, uma expositiva (tópico 1), na qual a distinção entre regras e princípios é brevemente apresentada, e outra (tópicos 2 a 7) dedicada à análise da recepção dessa distinção no Brasil e principalmente das críticas a alguns dos conceitos usados na parte expositiva. Nessa segunda parte, discuto, em cada tópico, problemas isolados. Cada tópico é, por assim dizer, independente, apesar de guardarem eles uma estreita relação entre si. Os