politica e filosofia
Daniel Tourinho Peres1
I. LIGAÇÕES PERIGOSAS
Ao longo da história, filosofia e política têm mantido, entre si, ligações perigosas. Amantes caprichosas e inquietas, não raro suas posições invertem-se em sua alcova. Platão oferece aquele que pode ser o seu mais forte paradigma. O rei filósofo, ou melhor, o filósofo rei, exercitado em sua teoria, o que lhe garante o contado com às idéias – melhor, talvez, dizer com a realidade, já que são as idéias, todas subordinadas à idéia do bem, o real – seria aquele que pode, ainda que precariamente, fazer passar para a ordem instável do sensível e na qual se encontra a cidade, a imutabilidade do mundo das idéias, mundo da verdade. Mas também em Marx se encontra um tal modelo, ainda que de ponta-cabeça. Pois agora a verdade é verdade do movimento, da história implacável e que não conhece obstáculo que não venha a superar; as idéias, essas são cristalizações, resultado de um descolamento do processo histórico que as fez engendrar e que elas pretendem, ingenuamente talvez, sustar.
Na décima primeira tese contra Feuerbach, lemos a denúncia da filosofia e daqueles que lidam com ela, como ocupando-se apenas de interpretar o mundo, o que se fez de diversas maneiras. Na continuação da tese, da denúncia se passa à sentença: trata-se, agora, de transformar o mundo. Essa sentença pode, em certo sentido, ser lida como uma sentença de morte, uma aposta na revolução que, se bem sucedida – e Marx parecia não duvidar da inexorabilidade e inevitabilidade da vitória -, significa a plena realização da filosofia.
Afirmar que é chegado o momento da revolução, que fique claro, não é um abandono da filosofia em nome de uma práxis revolucionaria que se faria às cegas. Toda práxis demanda sua teoria, e cabe a filosofia, então revolucionaria, indicar-lhe o seu portador, aquele cujo
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Professor do Dep. de Filosofia da UFBa, doutorando do Dep. de Filosofia da USP e membro do Grupo de
Lógica e