MARTIN GUERRE
Ana Paula Vosne Martins – Departamento de História da UFPR
Faz parte da miséria do homem o não poder conhecer mais do que fragmentos daquilo que passou, mesmo no seu pequeno mundo; e faz parte da sua nobreza e da sua força o poder conjecturar para além daquilo que pode saber. A história, quando recorre ao verossímil, não faz mais do que favorecer ou estimular essa tendência. A. Manzoni, Del romanzo storico e, in genere, de componimenti misti di storia e d’invenzione. 1830.
O escritor romântico Alessandro Manzoni, do qual retirei a epígrafe deste texto, escreveu um livro para tratar especificamente do romance histórico, comparando os procedimentos dos historiadores da época com os dos romancistas em favor destes, por escreverem histórias mais circunstanciadas sobre grupos sociais marginalizados e inferiorizados e indivíduos comuns, suas vidas, seus costumes, sentimentos, enfim, para aqueles temas que mais de um século depois da publicação do livro de Manzoni os historiadores passaram a se dedicar, inclusive a historiadora cujo livro vou analisar. O que é importante sublinhar desta referência sobre o romance histórico é que Manzoni já atentava para as relações entre texto histórico e texto ficcional, entre reconstrução positiva e invenção, entre verdade e verossimilhança, ou seja, tratava da dimensão narrativa da história e da dimensão histórica da narrativa literária.
Embora a discussão sobre a narrativa histórica ou das relações entre história e ficção não seja recente, como atesta o livro de Manzoni e algumas reflexões de tantos outros escritores do século XIX, ela conheceu uma inflexão entre as décadas de 1970 e 1980, com a publicação de livros e artigos escritos por historiadores sobre o que passou a ser conhecida como a questão da narrativa histórica. Lembro aqui do livro de Hayden White (Meta-História, de 1973) e os artigos do periódico