legalização do aborto

16673 palavras 67 páginas
Legalização do Aborto e Constituição1

DANIEL SARMENTO
Mestre e Doutor em Direito Constitucional pela UERJ, Professor Adjunto de Direito Constitucional da UERJ (Graduação, Mestrado e Doutorado), da Fundação Getúlio Vargas (Pós-Graduação),da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro e da Escola Superior de Advocacia Pública. Procurador Regional da República.

1. Introdução

No mundo todo, a questão relativa ao tratamento jurídico que deve ser conferido ao aborto desperta polêmicas intensas e até passionais, pondo em campos opostos os defensores do direito à escolha da mulher e os que pugnam pelo direito à vida do nascituro. As divergências são profundas e não se circunscrevem aos argumentos jurídicos, morais ou de saúde pública, envolvendo também crenças religiosas. E, no Brasil, não teria como ser diferente. Aqui, vigora na matéria o Código Penal, editado em 1940, que optou pela criminalização do aborto nos seus arts. 124 a 128.
No momento, discute-se a revisão destas normas. Neste sentido, o Governo brasileiro, em louvável iniciativa, instituiu Comissão Tripartite, composta por representantes dos Poderes Executivo, Legislativo e sociedade civil, destinada a repensar o posicionamento do nosso Estado sobre o aborto, visando eventual elaboração de nova legislação sobre a matéria. Por isso, parece extremamente oportuna a discussão sobre a viabilidade constitucional da legalização do aborto no Brasil, na fase inicial da gestação, na linha defendida pelo movimento feminista brasileiro2. Nosso ponto de partida deve ser a constatação empírica de que a criminalização do aborto acaba empurrando todo ano centenas de milhares de mulheres no Brasil, sobretudo as mais humildes, a procedimentos clandestinos e perigosos, realizados sem as mínimas condições de segurança e higiene3. E as seqüelas decorrentes destes procedimentos representam hoje a quinta maior causa de mortalidade materna no país, ceifando todo ano centenas de vidas de

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