Kaspar Hauser I
Lúcia Nagib
“Tal como as moscas para os travessos rapazes, assim somos nós para os deuses:
Eles matam-nos para sua diversão.”
Shakespeare, Rei Lear
versão mais corrente da história de Kaspar Hauser relata que, em 1828, apareceu repentinamente em Nuremberg um rapaz estranho, contando ao que se calcula 16 para 17 anos, que não sabia falar ou andar, muito menos explicar de onde provinha. Aos poucos, conforme foi se fazendo entender, revelou que até então vivera amarrado ao solo num porão escuro, sem nunca ter tido contato com o mundo exterior. Mesmo a existência de outros seres humanos lhe fôra até aquele momento desconhecida, pois a comida lhe era trazida enquanto dormia. Assim, nunca soube dar informações sobre o homem que um dia o abandonou em Nuremberg e que, pouco antes de libertá-lo do porão, lhe ensinara a rabiscar o nome “Kaspar Hauser” no papel e a pronunciar a frase intrigante: “Quero ser cavaleiro tal como meu pai foi”. Esta frase e a palavra “cavalo”, [Fim da pág. 97] únicos sons compreensíveis que conseguia emitir na ocasião em que foi encontrado, não possuíam, no entanto, para ele mesmo qualquer sentido.
A
De início tido como um louco ou um impostor pela oficialidade local, Kaspar foi novamente levado à prisão, desta vez numa torre, onde se tornou objeto da curiosidade de inúmeros visitantes.
Até que um professor de nome Daumer resolveu levá-lo para casa, encarregando-se de sua educação.
Começou então para ele o difícil aprendizado da vida civilizada, que durou pouco, pois Kaspar Hauser foi misteriosamente assassinado em 1833, apenas cinco anos após ter surgido em Nuremberg. Sua origem, bem como a razão de seu longo encarceramento e de seu assassinato, permanecem até hoje ignorados. Mas há suposições que tornam seu caso ainda mais curioso, como a de que ele seria descendente de um poderoso grão-duque de Baden, por parte de pai, e filho de Stephanie Beauharnais, sobrinha e enteada de Napoleão Bonaparte. E o desejo de