Justificativa do título do livro a denuncia
- D. Glória, a senhora ainda tem a intenção de mandar Bentinho para o seminário?
Reconheci a voz como de José Dias, o agregado da casa. Era impossível não reconhecer aquela voz fina, metálica, que chegava aos nossos ouvidos como se estivesse saindo por um tubo. Na época, eu ainda não conhecia os gramofones e, por isso, a comparação não me ocorreu. Mas, muitos anos depois, na primeira vez que ouvi o registro de uma fala gravada nos cilindros de cera, logo pensei em José Dias. A voz dele possuía aquela mesma qualidade mecânica, estranha, como se ele tivesse engolido um gramofone e o aparelho ficasse entalado na garganta.
Não era a única coisa mecânica em José Dias. Seus gestos eram todos milimétricos, precisos, como se os movimentos fossem medidos com régua e compasso. E o jeito de andar... Ah, o jeito de José Dias andar! Lá pelos meus três ou quatro anos de idade, um relojoeiro amigo do meu pai me deu de presente um boneco de mola que imitava um soldadinho. Eu adorava quando o meu pai dava corda no boneco e o soldadinho saía marchando pelo chão, com passos duros, cadenciados: um, dois, feijão com arroz, três, quatro, feijão no prato... Pois bem, José Dias andava de um modo tão parecido com aquele soldadinho que, às vezes, eu tinha a impressão de que ele também não passava de um boneco de mola movido a corda, só que em tamanho natural.
Naquela tarde de novembro de 1857, a única coisa que me interessava era descobrir porque aquele boneco de mola gigante estava perguntando se a minha mãe ainda pretendia fazer de mim um padre. Era um sonho que ela acalentava desde antes de eu nascer. Mais do que um sonho, uma promessa.
Eu