história, memória, sofrimento
Aula 1
Eis, por exemplo, uma mulher que foi a um primeiro encontro. Ela sabe bem das intenções, a seu respeito, do homem que lhe fala. Ela também sabe que cedo ou tarde ela deverá tomar uma decisão. Mas ela não quer sentir a urgência: ela se liga apenas àquilo que a atitude de seu parceiro oferece de respeitoso e discreto. Ela não apreende essa conduta como uma tentativa para realizar o que se chama “as primeiras aproximações”, ou seja, ela não quer ver as possibilidades de desenvolvimento temporal que tal conduta apresenta. Ela limita seu comportamento ao que há no presente, ela não quer ler nas frases que ele lhe endereça outra coisa que seu sentido explícito. Se ele lhe diz: “Eu te admiro tanto”, ela desarma esta frase de seu pano-de-fundo sexual. Ela liga aos discursos e à conduta de seu interlocutor significações imediatas que ela compreende como qualidades objetivas. O homem que lhe fala parece-lhe sincero e respeitoso como a mesa é redonda ou quadrada, como a pintura da parede é azul ou cinza. (...) É que ela não está a par do que deseja : ela é profundamente sensível ao desejo que ela inspira, mas o desejo nu e cru a humilharia a lhe horrorizaria. (...) Mas eis que ele pega sua mão. Este ato de seu interlocutor pode mudar a situação apelando a uma decisão imediata. Abandonar esta mão é consentir ao flerte, é engajar-se. Retirá-la é romper esta harmonia problemática e instável que faz o charme da hora. Trata-se de atrasar o instante da decisão o máximo possível. Sabemos o que então se produz: a garota abandona sua mão, mas não se percebe abandonando-a. Ela não se percebe porque, por acaso, ela é neste momento toda espírito. Ela leva seu interlocutor até as regiões mais elevadas da especulação sentimental, ela fala da vida, de sua vida, ela se mostra sob seu aspecto essencial: uma pessoa, uma consciência. E durante este tempo, o divórcio do corpo e da alma se realiza. A mão repousa inerte entre as mãos quentes de seu