A “representação do eu” e as políticas do cotidiano The presentation of self in everyday life foi o primeiro livro de Goffman, publicado a partir de sua tese de doutorado defendida na Universidade de Chicago (Communication conducts in an Island community, de 1953). O livro foi um sucesso de vendas desde sua primeira edição, vendeu mais de dois milhões de exemplares e foi traduzido em dezessete idiomas. No Brasil, é reeditado ininterruptamente desde 1975, sendo que em 2005 já alcançava sua 13ª edição. Considero o título que o livro ganhou em português – A representação do eu na vida cotidiana – uma má tradução: presentation é “apresentação”, e não “representação”; self é um conceito central na teoria sociológica de Chicago, e, além da difícil tradução, é normalmente utilizado no original. Assim, se fizéssemos uma backtranslation do título, como sugeriu Andrew Carlin (2004), teríamos The representation of myself in everyday life, o que não faz sentido. Deste livro, gostaria de destacar dois pontos para discussão. Em primeiro lugar, a noção de “definição da situação”. Central no pensamento goffmaniano e de toda a Escola de Chicago, essa expressão é originária da obra de William Thomas, tendo aparecido pela primeira vez em um artigo de 1923. Trata-se do processo a partir do qual se atribui um sentido ao contexto vivido, da resposta que cada pessoa dá à seguinte pergunta: o que está acontecendo aqui, agora? Ela é central, portanto, para se compreender o modo como as pessoas orientam suas ações na vida cotidiana. Por exemplo, se uma pessoa entra numa sala, vê um caixão com um corpo, velas, flores e gente chorando, certamente poderia pensar de que se tratava de um velório, e que seria melhor não contar alguma piada. Ou seja, as pessoas definem uma situação, e a partir disso orientam-se para agir de maneira adequada. Isso não significa necessariamente que a definição esteja correta. Poderia, seguindo o exemplo, não ser uma cena real de velório, e o sujeito dentro do