Ficção e realidade

civilização dos EUA há muito mais do que supõe a nossa pré-judiciosa ideologia. Pensar que a autorepresentação dos EUA nos faroestes só faz traduzir falsa consciência de si é tão ou mais ingênuo quanto supor que os desfiles de escolas-de-samba, trios elétricos e maracatus no carnaval brasileiro são mera alienação e dispersão popular – e com isso desqualifica-se desdenhosamente mais do que só um gênero cinematográfico, mais do que uma festa popular. Ao contrário do que indica seu título genérico, este ensaio se debruça sobre três filmes, apenas: Shane, ou, segundo o estranhíssimo título brasileiro, Os Brutos Também Amam, de 1953, dirigido por George Stevens; The Man Who Shot Liberty Valance, ou O Homem que Matou o Facínora, de 1962, dirigido por John Ford; e Jeremiah Johnson, ou Mais Forte que a Vingança, de 1972, dirigido por Sydney Pollack. Os filmes serão sempre referidos pelo título original ou alguma abreviação. O ponto de partida filosófico para a interpretação desses filmes é a oposição entre natureza e cultura ou civilização. Por mais desacreditada que esteja, essa oposição esquemática permite reconhecer temas e estruturas narrativas próprias do western, ao menos nesses três filmes. São constitutivas da visão de mundo dos westerns ideias sobre a condição natural da humanidade e o valor do trabalho individual, bem como a formação, pelos particulares, da comunidade política que substitui o estado de natureza. Não se pode esquecer a forte carga mítica presente nos filmes. Aqui, recorreremos principalmente a Platão para explorá-la, especificamente à versão do mito de Prometeu encontrada no Protágoras. O leitor talvez ache pouca sistematicidade e originalidade na organização do que segue. Certamente, não pretendo originalidade alguma; uma breve consulta à magra bibliografia indicada ao fim deste artigo mostrará o quanto devo às ideias de outros autores. Se não original, creio que este ensaio tem ao menos alguma autenticidade. Quanto à sistematicidade,