Família escrava e trabalho
Família escrava e trabalho
Robert W. Slenes*
Sheila de Castro Faria **
Apesar de certas premissas básicas serem aceitas por um grupo numeroso de historiadores atuais, a história da família escrava no Brasil vem suscitando inúmeras divergências de interpretações. Foi com base nestas divergências que se montou uma sessão, no I I Encontro de História da UFF, intitulada “Família Escrava e Trabalho”, composta pelos seguintes pesquisadores: Robert Slenes, Manolo Florentino, José Roberto Góes, Luiz Carlos Soares, Sheila de Castro Faria e coordenada por Ronaldo Vainfas. Nas páginas que se seguem está, na íntegra, a intervenção de Robert Slenes, que a entregou por escrito ao coordenador da mesa, seguida de um balanço crítico dos debates então travados, redigido por Sheila de Castro Faria.
Robert W. Slenes
É importante lembrar, de início, o ponto de partida do debate nos últimos anos sobre a família escrava. Nas décadas de 1950 e 1960, tanto a historiografia brasileira quanto a norteamericana formulavam em primeiro plano, nas discussões, a questão relativa ao caráter e às conseqüências da escravidão. No Brasil, Florestan Fernandes e Roger Bastide expressaram o consenso sobre o assunto de forma mais clara. Por razões demográficas (o excesso de homens sobre mulheres no tráfico africano) e como resultado de uma política senhorial de (nas palavras de Fernandes) “tolher e solapar” todas as formas de solidariedade entre os cativos, a “família” escrava – não apenas a “linhagem”, mas também a família conjugal/nuclear, com o pai “presente” na vida dos filhos – praticamente inexistiu. “Perdidos uns para os outros”, sem laços sociais para recriar sua cultura e identidade, os escravos eram reduzidos a “condições anômicas de existência”. Como resultado (segundo Bastide), eles internalizavam as normas brancas, chegando subconscientemente a identificar seu senhor como “pai”; mais sério ainda (Fernandes), eles não tinham condições de participar do processo da