Exemplo de Narrativa Biográfica
A casa da minha infância era grande e aconchegante, como um palacete – um castelo encantado. Situada à Rua do Grupo (morávamos em frente à escola da comunidade), sem número, era uma casa confortável para os padrões de uma vila operária, com garagem, varanda com jardim, três quartos, dispensa e dependência para empregada. Ao olhar de uma criança, tudo parecia grande e estranhamente desproporcional. Mas, talvez eu que fosse pequeno demais para tanto espaço – tanto que mal cabia em mim.
Nas paredes sólidas e inabaláveis esboçava os primeiros traços de minha arte rupestre. Entre rabiscos ininteligíveis e garranchos descobria novas formas de me comunicar. Aquilo não era simplesmente uma casa; era um forte apache, uma trincheira, um esconderijo, uma caverna e o que mais a imaginação fosse capaz de criar. Nos meus delírios quixotescos, móveis e eletrodomésticos eram dragões imaginários; eu, um nobre cavaleiro portando armadura e espada de papelão, sob um cavalo de vassoura. Quantas aventuras vivi naquela casa: fui polícia e ladrão; cavaleiro medieval e viajante espacial; músico, esportista e ator. Naquela casa “a gente era obrigado a ser feliz”.
Na casa da minha infância havia um quintal tomado de árvores frutíferas. Tinha pé de banana, pé de goiaba, pé de carambola e um imponente pé de manga, com raízes indecentemente grossas à mostra. Tinha pé de moleques também, vários, os meus e dos meus irmãos, correndo descalços no chão de barro, sem medo de se sujar. Sem medo de ficar doente. A gente corria, caia, ralava o joelho, passava Mertiolate (que nessa época ardia mais que ácido). Mamãe fazia sua parte e ficava a assoprar. Logo depois lá estávamos nós novamente, correndo desembestados, subindo nas árvores, colhendo frutas e comendo sem lavar. Assim era a casa minha infância. O mundo mágico não estava dentro do guarda-roupa, como em C. S. Lewis. Estava fora e era do tamanho de uma casa. Era feito de tijolos, cimento e