Débito ou crédito conjugal
Maria Berenice Dias
Ainda que persista a crença que o débito conjugal existe, ninguém consegue definir do que se trata. Será a obrigação do exercício da sexualidade?
Todo mundo acredita que existe o chamado "débito conjugal". Uma crença tão antiga que até dispõe de uma expressão latina debitum conjugale. Esta não é a única referência a esse "direito-dever" que advém do Direito Canônico, chamado de jus in corpus, ou seja, direito sobre o corpo. Claro que é o direito do homem ao corpo da mulher, para atender ao dogma "crescei e multiplicai-vos".
O fato é que o casamento sempre foi identificado com o exercício da sexualidade, pois servia para "legalizar" as relações sexuais. Era um remédio contra a concupiscência – remedium concupiscentiae – o que, segundo o dicionário, significa inclinação a gozar prazeres sexuais.
Até hoje há quem afirme que o casamento se "consuma" na noite de núpcias. Antigamente, tal ocorria pelo desvirginamento da mulher, fato que precisava ser provado publicamente, pela exposição do lençol marcado de sangue, como é visto em filmes de época. Mesmo com o fim do tabu da virgindade – que já serviu até de causa para o pedido de anulação de casamento – o mito continua.
Ainda que persista a crença que o débito conjugal existe, ninguém consegue definir do que se trata. Será a obrigação do exercício da sexualidade? Significa que os cônjuges são obrigados à prática sexual? De onde advém este dever?
Será que a desculpa feminina da dor de cabeça configura descumprimento da obrigação? E a ejaculação precoce ou a impotência –fantasmas que rondam todos os homens – seriam inadimplemento ou mau cumprimento desse dever? E a alegação da mulher de nunca ter sentido prazer, é causa suficiente da incompetência masculina para se desincumbir de seu encargo? E, se de uma obrigação se trata, pode ser executada por terceiros ou é uma obrigação infungível?
A sorte é que a lei