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MEUS ANTEPASSADOS
NADA é mais difícil no Brasil do que estabelecer as origens de uma família burguesa ou supostamente aristocrática, tentando desenhar, na botânica das vaidades, uma árvore genealógica. O que possuímos nesse sentido assenta, exclusivamente, sobre hipóteses. E eu, voltando-me neste momento para o Passado, sem ascendentes que me orientem e elucidem, não me podia sentir em menores dificuldades. Prefiro confessar a ignorância a recorrer à fantasia.
Que espécie de sangue circula e prevalece nas minhas veias? Português? Espanhol? Tupinambá? Ou africano?
Os meus antepassados preponderantes vieram depois de Cabral, com as suas velas borboleteando nas ondas, ou já aqui se encontravam, a flecha em punho, o dente aguçado, animados de instintos sanguinários, devorando os seus semelhantes? Combati com a mão deles em Aljubarrota, matei panteras no areal, ou esperei de cócoras, dias inteiros, no refúgio da sumaumeira monstruosa, o tapir ou o índio adversário?
As informações que tenho dão-me direito a vaidades de europeu. Minha avó materna era filha de mãe brasileira e pai português. Pertencia este à família Bruzaca de que usava o nome. Um dos irmãos de minha avó, nascido no Brasil, emigrou para a África, onde fez fortuna artificial e filhos naturais. Ao falecer em
1870 ou vizinhança desse ano, os parentes de Miritiba mandaram à ilha de São Tomé um representante, para assistir ao inventário. Esse emissário voltou trazendo um açucareiro e algumas colheres de prata. Mas a viagem fora, parece, proveitosa a esse procurador, o qual, confirmando o epigrama bocageano, pouco depois do regresso começava a prosperar, construindo uma casa e comprando uma fazenda de gado com alguns sólidos patacões portugueses. Descende, talvez, desse parente remoto e benemérito um poeta africano de nome Bruzaca, que eu encontrava, às vezes, nos meus inícios literários, assinando sonetos, no Almanaque de lembranças, e no Almanaque das senhoras, de Portugal. O mesmo sangue,