Direito i deveres
Se a indicação de nossas dificuldades quanto à aplicação das leis e/ou quanto ao reconhecimento dos "direitos" legalmente estabelecidos tem sido moeda corrente no discurso de cientistas sociais, sindicalistas, políticos e empresários, foram os antropólogos, e dentre eles especialmente DaMatta, que chamaram atenção para a importância das nossas motivações culturais que contribuem para a permanência ou cristalização deste estado de coisas. Partindo da crítica antropológica à identidade entre o conceito de indivíduo enquanto ser biológico (universal) e a noção de indivíduo enquanto categoria sociológica, como o sujeito normativo das instituições e, portanto, como uma categoria moralmente construída e historicamente dada (ver Dumont, 1986), assim como do fato de que a literatura sobre cidadania tem como referencial esta segunda acepção da noção de indivíduo, cujo correlato é a nação, DaMatta (1991a) chama a atenção para o fato de que no Brasil a lógica moderna e universalista do indivíduo convive com uma lógica tradicional que enfatiza a importância da relação, da preeminência do todo sobre as partes e da hierarquia. Enquanto a primeira destas lógicas estaria associada ao espaço público, da rua, das leis e das relações impessoais, a segunda estaria vinculada ao espaço privado, da casa, da família e das relações pessoalizadas. Da mesma forma, enquanto a lógica do indivíduocidadão tem na sua essência um caráter nivelador e enfatiza as idéias de autonomia, independência e igualdade, a lógica da relação admite contrastes, gradações e complementaridades.
Ainda segundo DaMatta, o estilo ou tradição colonial do Estado Brasileiro, que tem sido apontado por vários autores, e caracterizado através da criação de leis e instituições, como instrumento de progresso, mudança e controle (1991a:82), contribui para o fortalecimento da lógica da relação em oposição à impessoalidade das leis que retrata a face moderna da organização social brasileira. Em outras