Crônica
Acordei novamente no mesmo quarto branco, na mesma cama, com o mesmo armário, mesmo chão gelado, mesma família, no mesmo silêncio matutino e aquela mesma voz branda do meu pai, sempre calma tentando me despertar dizendo: “acorda logo, você está atrasado!”.
Bato na porta do banheiro apressando meu irmão a sair de lá, enquanto isso preparo o lanche dos meus míseros vinte minutos de pausa no trabalho. Entro no sagrado banho onde brota todos os pensamento, ideias e meditações do meu dia, até meu pai com a mesma voz entoar que estou atrasado de novo.
Correndo coloco a roupa enquanto assisto as notícias da manhã, esperando que não tenha trânsito e como será o tempo, mas nunca falam à tempo. Dou uma olhada no espelho, uma arrumada no cabelo, perfume, tênis, carteira, celular, fone de ouvido, está tudo comigo! Bebo um copo d’água e pego a chave, mas cadê a chave? Procuro nos bolsos da mochila e não a encontro, olho novamente para o molho pendurado na parede e como mágica elas aparecem. Já afobado para sair na hora, a chave faz questão de cair, parecendo me provocar, respiro fundo, pego a fujona e deslizo escada abaixo, saindo às pressas pelo portão.
Penso comigo mesmo: “agora só esperar o ônibus”, antes de concluir meu pensamento o tal veículo passa além da esquina, mais rápido do que eu, fico abandonado sem expressar sentimento ou revolta, apenas uma sensação de trabalho em vão, fazendo com que desejasse aquele mesmo quarto branco, e o chão gelado para acompanhar. Continuo até o ponto e espero uns dez, talvez vinte minutos, pego o ônibus e todos os semáforos fechados.
Enfim, cheguei ao trabalho atrasado novamente, de segunda à sexta-feira, hoje já são cinco atrasos. Mas esse final de semana vou tomar uma atitude para resolver esse problema, está decidido. Vou pintar meu quarto!